A pedido ou apenas por sabuja subserviência, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, veio a terreiro afastar qualquer fundamento quanto à possibilidade de Angola ter enviado mercenários para a Rússia na invasão da Ucrânia. Ninguém falou de Angola mandar mercenários. As notícias falaram apenas e só, o que não é pouco, de mercenários angolanos.
João Gomes Cravinho, que antes foi ministro da Defesa e que em tempos disse que Jonas Savimbi foi “um Hitler africano”, afirmou que “não vemos fundamento nenhum para uma notícia que fala de mercenários, não acreditamos que tenha qualquer base e, portanto, é uma matéria que não nos diz respeito”, disse João Gomes Cravinho, à margem da XVI reunião extraordinária do conselho de ministros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que Luanda acolheu.
Se, como diz a criatura, “é uma matéria que não nos diz respeito”, porque razão teve necessidade de assinalar mais esta subserviência junto do MPLA? Será que o pequeno cravo, ou pequeno prego, também já tem o cérebro (como os seus correligionários do MPLA) com ligação directa ao intestino grosso?
Em causa, recorde-se, está uma notícia que dava conta do envio 100 mercenários angolanos para combaterem na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, uma questão minimizada por João Gomes Cravinho, que está em Luanda no quadro da CPLP e disse não ter tido oportunidade de falar com o seu homólogo sobre assuntos bilaterais.
“Temos um diálogo que é permanente, o ministro Téte António esteve em Lisboa há poucas semanas, estamos agora juntos neste encontro da CPLP em Luanda e estaremos juntos muito em breve em outros encontros”, salientou o governante socialista português, realçando que os dois países têm “um diálogo que é permanente”, destacando o “importante contributo que Angola está a dar para resolução da situação no leste da República Democrática do Congo (RD Congo)”, sublinhou.
O chefe da diplomacia portuguesa saudou o papel de Angola na região, que “agora se concretiza através do envio de forças militares angolanas para aquele país vizinho no processo de acantonamento dos grupos rebeldes no leste do Congo”.
Recordando que foi anteriormente ministro da Defesa, João Gomes Cravinho salientou que “nenhum país envia de ânimo leve forças suas para outras partes do mundo, em particular, onde há possibilidade de conflito”.
Por isso, “saúdo a coragem e empenho de Angola em ajudar a resolver um problema, que é um problema muito grave para todo o continente africano e desestabilizador também para o resto do mundo”, indicou.
Os ideólogos do regime do MPLA e os políticos portugueses entendem, em grande parte por culpa nossa, que somos todos matumbos. E se por cá se fomenta o medo, a ignorância, o pensamento único, o mesmo (ainda) não se pode dizer em relação a Portugal. Custa, por isso, a entende que os dirigentes portugueses estejam (ou digam estar) tão mal informados em relação a Angola.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as nossas autoridades.
Alguém ouviu alguma vez João Gomes Cravinho dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém o ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém ouviu alguma vez João Gomes Cravinho dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém o ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém ouviu alguma vez João Gomes Cravinho dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém o ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez ouviu João Gomes Cravinho dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Alguém ouviu alguma vez João Gomes Cravinho dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?
Ninguém ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para cair nas graças dos donos do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de João Lourenço.
Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Folha 8 com Lusa